Epêneto era o presbítero responsável
pela igreja em Roma, desde que Priscila e Áquila tiveram que deixar a cidade em
busca de novos campos missionários. Epêneto foi um dos primeiros a se
converterem através do trabalho realizado por Paulo nessa cidade.
Aquela igreja era muito ativa, sempre
aberta a acolher as pessoas. Quando havia algum cataclismo, fome ou guerra, os
cristãos se mobilizavam para socorrer as vítimas. Por causa de seu envolvimento
com a dor humana, ganhou a simpatia de todos, inclusive de funcionários do
palácio de César.
Num belo dia, ouviu-se o clangor do
clarim. Todos se reuniram para ouvir o que o mensageiro do império tinha para
anunciar. Em duas semanas, o exército romano estaria chegando de uma campanha
militar bem-sucedida. O próprio César o receberia com uma Parada Triunfal, que
seria seguida de um feriado prolongado dedicado aos deuses Marte e Saturno,
também conhecidos como Apolo e Baco, divindades da guerra e do vinho,
respectivamente. Seria uma grande festa, regada a bebidas alcoólicas e todo tipo
de luxúria. A população sairia às ruas para assistir ao desfile das tropas
romanas, dando-lhes boas-vindas, e assistiriam à execução de milhares de
prisioneiros. Ninguém trabalharia naqueles dias.
Epêneto ficou preocupado com a notícia.
Qual deveria ser o papel da igreja durante essa festa pagã? Ainda inexperiente
como líder, reuniu alguns dos mais antigos membros da igreja para discutir o que
fazer.
Um deles, chamado Narciso, pediu a
palavra e deu sua sugestão:
- Amados no Senhor, por que não aproveitamos o
ensejo para promover um desfile paralelo, onde demonstraremos ao mundo a nossa
força, revelando a todos nossa lealdade ao Rei dos reis, Jesus Cristo? Podemos
até copiar algumas de suas canções, adaptando-as à nossa fé. Em vez de exibirmos
prisioneiros, exibiremos testemunhos daqueles que foram salvos. Vamos montar
nosso próprio bloco, quer dizer, nossa própria parada triunfal. Pode ser uma
grande oportunidade evangelística.
Epêneto, depois de algum tempo
pensativo, respondeu: Caro Narciso, a idéia parece muito boa. Porém, quem
ouviria nossa voz durante os momentos de folia? Nosso modesto bloco se perderia
no meio de toda aquela devassidão. Ademais, a maioria das pessoas estará
embriagada, incapaz de entender nossa mensagem. Também não estamos preocupados
em dar uma demonstração de força. Jesus disse que nosso papel no mundo seria
semelhante à de uma pitada de fermento, que de maneira discreta, sem chamar a
atenção para si, vai levedando aos poucos toda a massa. Por isso, acho que sua
idéia não é pertinente. Quem sabe em gerações futuras, haja quem a
aproveite?
Levantou-se então Andrônico, que gozava
de muito prestígio por ser parente de Paulo, e
sugeriu:
- Amados, durante o Desfile Triunfal e as
Saturnais, a situação espiritual da cidade ficará insuportável. Divindades pagãs
serão invocadas, orgias serão promovidas em lugares públicos à luz do dia. Não
convém que estejamos aqui durante essa festa da carne. A melhor coisa a fazer é
nos retirarmos, buscarmos um refúgio fora da cidade, e aproveitamos esse tempo
para nos congratularmos, sem nos expormos desnecessariamente às tentações da
carne.
Todos acenaram com a cabeça,
demonstrando terem gostado da idéia. Já que seria mesmo feriado, ninguém
precisaria trabalhar. Um retiro parecia a melhor sugestão.
O velho presbítero ficou um tempo em silêncio, meditando. Todos
estavam atônitos esperando sua palavra, quando mansamente
respondeu:
- Irmãos, não nos esqueçamos de que somos o sal
da terra e a luz do mundo. Se no momento de maior trevas nos retirarmos, o que
será desta cidade? Por que a entregaríamos ao controle das hostes espirituais
das trevas? Definitivamente, nosso lugar é aqui. Não Precisamos
de exposição, como sugeriu nosso irmão Narciso, nem de fazer
oposição à festa, retirando-nos da cidade, como sugeriu Andrônico. O que
precisamos é estar à disposição para acolher aos necessitados, às vítimas
da violência, aos desassistidos, aos marginalizados.
A propósito, não temos estado
sempre disponíveis para atender as pessoas durante as tragédias que tem abatido
o império? E o que seriam tais desfiles, senão tragédias morais e espirituais?
Saiamos às ruas, mesmo sem participar da folia, e estendamo-los as mãos, em vez
de apontar-lhes o dedo, oferecendo compaixão em vez de acusação, amor em vez de
apatia. Que as casas que usamos para nos reunir estejam de portas abertas para
receber quem quer que seja, e assim, revelaremos ao mundo Aquele a quem amamos e
servimos. Afinal, o reino de Deus se manifesta sem alarde, sem confetes, sem
barulho, mas perturbadoramente discreto.
Depois dessas sábias palavras, ninguém
mais se atreveu a dar qualquer outra sugestão.
* Esta é apenas uma parábola que elaboramos para emitir nossa humilde
opinião acerca do papel da igreja durante o período carnavalesco.
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